cigarrada
quarta-feira, 23 de julho de 2014
Arabian Days e os 40 ladrões!
As autarquias descobriram um novo filão: as festas temáticas prêt-à-porter. A excepção é feita a Mértola e a Silves, cujo rigor histórico merece respeito.
Um grupo de pessoas, julgando-se promotor e empreendedor, reúne tabancas, stands e barracas portáteis, junta-lhe uma listagem de andarilhos e contacta-os, alugando-lhes os espaços.
Cada um traz a sua marroquinaria: cintos e malas e chinelos tudo de cabedal, mais umas mantas coloridas e umas túnicas esvoaçantes. Contamos também com anéis, pulseiras, brincos e colares e -pasme-se - leitura da sina, tarô e cartomancia. Há falcoaria e póneis subjugados aos caprichos dos paizinhos que querem tirar a foto do menino para postar no facebook.
Os comeres em nada fazem jus à herança do Al-Andaluz. Há de tudo como na botica: pita shoarmas, crepes, paelhas, feijoadas em pré-pagamentos. Cervejas que se fazem anunciar em grandes telões, sumóis e coca-colas de pressão.
Impera a lógica do evento, do entretenimento fácil, das chamadas indústrias criativas, seja lá o que isso for. E isso nota-se nos verbos de encher: pinturas faciais e odaliscas forçadas em danças do ventre. O argumento subjacente é pernicioso. Dir-nos-ão que o povo gosta. Pois assim sendo se justificam Big Show Sic e outros subsequentes e mais atuais que não posso enumerar, porque não vejo.
Uniformização convincente para retratar uma época histórica não havia, conteúdos referentes ao passado árabe não havia, convites para visitar os vestígios e a presença árabe na região não havia, espaços educativos e de comunicação pedagógica não havia.
Fez-se esta festa, este foguetório, sem envolver as associações, os actores, os músicos e os poetas de Faro. E também sem envolver escolas e alunos. Valoriza-se um consumismo bacoco e fútil e cobra-se um preço obsceno.
E como se não bastasse, pormenores de produção não menos relevantes: um palco voltado para nenhures com um anfiteatro natural ali ao lado, a escadaria da Sé.
O que fica do que passou?
Não ficam ideias, nem sementes, nem vontades, nem sinergias, nem aprendizagens, nem sequer lucros. Não se formam públicos, nem se agitam consciências.
Fica uma poeira a que não podemos nunca chamar cultura.