cigarrada

RETÓRICA
O desemprego presta-se a inúmeras leituras, mas podemos sempre escolher empatizar com alguém que nos está próximo. Desemprego – É preciso moralizar isto! Trimestres, pontos percentuais, estatísticas, leituras homólogas, taxas comparativas, previsões divulgadas, quedas acumuladas, tendências, reduções marginais, trajectórias consistentes, revisões do crescimento e de recuo... É nestes termos que governantes, oposição, jornalistas, comentadores e opinion makers se referem ao desemprego. Lê-los e ouvi-los transporta-nos para uma dimensão algo abstracta e sobretudo faz-nos esquecer que é de pessoas que estamos a falar. Somos 814 mil pessoas sem trabalho em Portugal! A dimensão humana que faz falta a estas leituras só pode, por isso, vir de dentro, destas pessoas... Marias, Manuéis e Antónios que têm que ter casa onde morar, água, electricidade e gás, também internet (para fazer a vontade à Jonet e matar o tempo no facebook), comida (mesmo que não sejam bifes todas as semanas), acesso aos cuidados de saúde e algo mais que confira à pirâmide de Maslow a credibilidade que nos tem merecido. Esta dimensão humana, sinceridade e sensibilidade social tem que ser reivindicada sob diferentes aspectos: No que diz respeito à fórmula de cálculo do próprio subsídio de desemprego. Demos, então, consistência a Maria. Trabalha desde 1998, ou seja, acumula 16 anos de descontos, e o seu subsídio só é válido por um ano, decresce ao sexto mês, e só tem em linha de conta o último salário auferido de 515 euros brutos, cifrando assim o apoio social em 419 euros e 10 cêntimos. É importante perceber aqui - não para invocar um dramatismo fácil, mas porque sim - que Maria é licenciada e o seu último trabalho foi o de caixeira numa loja. No que diz respeito à fórmula de cálculo do rendimento social de inserção. Maria às vezes pensa que está, mas não está sozinha no Mundo! Há o companheiro e há os restantes 813 mil que, como ela, se interrogam quanto ao futuro. Se José, empregado da restauração, aufere 600 euros mensais pelo seu trabalho, a Maria ser-lhe-á negado o RSI já que este só é atribuído se o total do rendimento familiar não for superior a 322,18 euros. Maria e José conseguirão viver com 600 euros? Não, não é uma história bíblica. É a realidade. Aliás, como vivem actualmente 443 mil pessoas que hoje não recebem este ou qualquer outro apoio social? Menos urgente, mas não menos importante para continuarmos a dar dimensão humana, sinceridade e sensibilidade social ao problema do desemprego em Portugal, é a reivindicação que temos que fazer quanto ao trato estigmatizante e preconceituoso de organismos como a Segurança Social e o IEFP. No sentido de moralizar e instituir aqui decoro e urbanidade, há que reivindicar: - A abolição completa dos cursos de formação propostos quando não se revelem aos olhos das Marias, dos Manuéis e dos Antónios como atentados à sua inteligência, meras fórmulas para ocupar o tempo, para entreter e, porquanto, não lhes seja revelada a sua real utilidade e eficácia por meio de estudos que comprovem os impactos que têm realmente na melhoria das taxas de empregabilidade no País (e não dizemos diminuição da taxa de desemprego, pois sabe Maria que o engôdo reside aí). Esta, como outras medidas políticas de combate ao desemprego, carece de avaliação. - A abolição completa da mais estúpida medida de procura activa de emprego, consagrada no Decreto-Lei n.o 220/2006 de 3 de Novembro, que obriga, no artigo 17.º, os desempregados a apresentações quinzenais nas respectivas Juntas de Freguesia. Não só porque apesar de desempregada Maria tem mais do que fazer, mas porque não lhe foi dado ainda saber, perceber e entender qual o objectivo de tão fastidiosa tarefa? De tão humilhante convocatória? Com tão subjacente ameaça, a de, não comparecendo, ser-lhe cortado o subsídio. Parece-lhe que se sente presa, prisioneira, invadida na sua privacidade, coartada na sua liberdade individual, controlada totalitariamente, reprimida orwellianamente. Será? Podemos pensar o desemprego sob as mais diversas formas e pontos de vista, incluindo, claro está a económica que é fundamental. Mas convém não esquecer que o fenómeno pode ser visto, pensado, discutido e questionado propositadamente isolando-o na máxima "cada caso é um caso" e empatizando para depois se extrapolar. Sendo muito diferentes as histórias de cada um, haverá com certeza pontos em comum que permitirão leituras e contributos vindos de dentro capazes de criar uma força, uma luta, uma agitação, movimento ou simplesmente uma espécie de abalo que é como quem diz se uma Maria incomoda muita gente, 814 mil podem incomodar muito mais. E , assim, talvez se possa moralizar isto! TEXTO PUBLICADO NO ESQUERDA.NET______________________________________________ Ontem senti-me um ficheiro de excell Interpelado por uma professora desempregada naquele programa infeliz que a RTP pôs no ar para branquear a imagem do primeiro-ministro, Passos Coelho respondia à interlocutora: "pois a senhora ficou sem trabalho, mas no seu lugar há-de estar agora alguém". A resposta lacónica do governante revela a sua enorme insensibilidade social, o desapego e a profunda falta de empatia que nutre para com o Outro (e não quero dizer aqui "para com o Próximo"). Pedro Passos Coelho disse o que todos os empregadores e potenciais empregadores pensam (mas não o admitem por decoro), isto é, " há milhares de cães a um osso" ou, dito ainda de outra maneira, se um de vós se recusa a aceitar um emprego, outro fá-lo-á sejam quais forem as condições oferecidas. E assim, sendo nós muitos, se baixa o valor da mão-de-obra, assim se desvalorizam as qualificações, assim se instiga à fuga para o estrangeiro, assim se instala a resignação e o medo. Sim, é de medo que se trata quando partindo da necessidade dos desempregados se lhes propõe que se juntem aos 20 ou mesmo aos 30, numa sala do IEFP, pedindo-lhes que escolham cursos a frequentar enquanto recebem o subsídio de desemprego. Sem que lhes sejam enunciados os objectivos de tais cursos, sem que aqueles sejam informados das premissas por detrás do desenho dos mesmos, sem que sequer enunciem os seus programas, digo, conteúdos temáticos a leccionar. Assim, tentam fazer-nos crer que escolhemos entre estudar alemão ou tecnologias da informação. Na sala todos alinham em fingir que escolhem e todos fingem ignorar a ameaça latente: a de que – escolhendo não escolher nenhum – o seu subsídio será cortado. E dá-se a coincidência de todos optarem pelo curso de alemão. Porquê? Porque começa mais tarde, termina mais cedo e conclui-se mais rápido. Motivações passíveis de apresentar para recusar uma e outra proposta? Bom...”vamos ponderar” e se os argumentos forem aceites chamamos para outro. Outro curso. Abrimos os ficheiros dos subsidiários e emitimos nova convocatória. Marcamos outra reunião e preenchemos novas fichas: dez para o curso de jardinagem, doze ou treze para o de técnicas administrativas. Nós, os desempregados, fingiremos que escolhemos, eles fingirão que estão a enriquecer as pessoas, a contribuir para a melhoria dos seus percursos e carreiras, fingirão que estão a investir na melhoria das suas competências, a apostar na qualificação ideal para os desafios do mercado de trabalho, fingirão que estão a apostar na sua qualificação e no aumento da sua auto-estima. (Perpassa a ideia de que julgam que muita gente muito desocupada e com muito tempo livre constitui um perigo e uma ameaça. Demasiado ócio põe em perigo qualquer “status quo”, mas pode ser só impressão minha). Como se os que ali estão não soubessem que trinta e oito por cento dos jovens portugueses abandona os estudos por falta de meios para a sua prossecução. Como se os que ali estão não soubessem que este Governo aumenta as propinas, diminui drasticamente a atribuição de bolsas de doutoramento e pós doutoramento, reduz os apoios de acção social escolar ou propõe diminuir a escolaridade mínima obrigatória. Como se os que ali estão não soubessem como este Governo tem desprezado escolas, professores e alunos e toda a educação em Portugal. Assim mesmo, como se não soubessem, fingem acreditar que o Pedro Mota Soares e o Ministério da Segurança Social estão preocupados com o seu futuro e não com a diminuição das estatísticas. E hoje, fechada naquela sala, com mais trinta desempregados, senti-me parte ínfima de um ficheiro, uma célula de excell, uma numeral, um dado estatístico e uma cidadã descartável e, na minha tentativa de justificação, no intuito de escrever a minha objecção de consciência, Passos Coelho não me largou as orelhas sussurrando qualquer coisa como “pois se a senhora não aceitar, há-de vir outro alguém”. E de repente percebi que não era LIVRE. TEXTO PUBLICADO NO ESQUERDA.NET _____________________________________________________ VIDA ACTIVA – A escolha é deles! Preparar as pessoas para tarefas muito especificas e condicioná-las ao “mercado” de trabalho e às necessidades das empresas é um erro grosseiro já que aquele, sendo tão volátil, se se desintegra as deixa reféns das suas aprendizagens puramente técnicas e, no limite, desempregadas e com poucas alternativas. Porém, propor formações sem adesão à realidade também não é o caminho. Hoje fui convocada pelo IEFP para fazer parte de um curso de técnica de vendas. Duzentas horas com módulos de 50 cada, ministrados por técnicos da ACRAL – Associação de Comerciantes do Algarve. Sabendo do número de falências que ocorrem no comércio, no País, e especificamente no distrito de Faro e tendo sido recentemente dispensada precisamente de uma loja, pergunto-me: quais os critérios que levam ao desenho destas propostas? Quem arquitecta esta oferta formativa? Com que objectivos? O IEFP há muito que deixou de ser o garante de segurança para os desempregados, um meio através do qual se poderiam obter colocações, um instrumento de regulação entre a oferta e a procura. O IEFP tornou-se numa ferramenta poderosa deste projecto maior que é empobrecer, desvalorizar e ajudar a precarizar o trabalho em Portugal. Os dados estão reunidos. Há uma enorme base onde constam habilitações, idades, competências, valores dos salários auferidos e, ao proporem indiscriminadamente formações de nível IV a bacharéis, licenciados, pós-graduados, os técnicos do IEFP mais não fazem do que nivelar por baixo, ignorando conceitos como carreira, investimento, progressão e background. Se todos nos tornarmos técnicos de vendas, de mecânica, de novas tecnologias, baixarão as estatísticas, é certo, mas baixarão também os salários. Neste desenho formativo proposto é sempre valorizado o que executa sem questionar. Há um déficit enorme de humanismo mas também de Humanidades nestes currículos. Interpretar, analisar criticamente, organizar respostas, articular argumentos, investigar ou até mesmo conhecer história, sociologia, arte ou a própria língua não são preocupações presentes. Porventura, isso acarretaria o risco de elevar os índices de educação cidadã que convoca ao conhecimento de valores como a liberdade, a liberdade de escolha, a simples liberdade de escolha do que se quer aprender. TEXTO PUBLICADO NO ESQUERDA.NET _________________________________________________________ Uma vez inscritos, os desempregados ficam à mercê de uma tecla enter em que se carrega levianamente. E eis que nos encontramos para nos proporem mais acções de formação. Aí de quem não comparecer ameaçado que foi por 16 linhas e “convidado” apenas por duas em convocatórias de tipo standart. Desempregados - É fazer tábua rasa! Desta vez até concordo com a senhora que trabalha no IEFP. Costumam os portugueses dizer, e ela também o disse, desculpando-se, que quando algo não corre bem, há uma falha, um deslize, um imprevisto ou um vício de forma, a culpa "é do sistema". Não há manual de recursos humanos que não desmonte tal postulado em três tempos. Ou porque os objectivos a atingir não estão bem definidos, ou porque as tarefas não foram bem delegadas, ou porque não foi feita a respectiva verificação, há com certeza N explicações que escapam àqueles que não querem questionar os seus procedimentos e respectivos postos de trabalho. Coloca-se, assim, a culpa no objecto exterior a nós o que é, naturalmente, mais fácil de encarar e, até, de resolver. A verdade é que o sistema informático do IEFP foi mal concebido! Uma vez inscritos, os desempregados ficam à mercê de uma tecla enter em que se carrega levianamente. As perguntas (ou consultas, como se diria em linguagem de acess ou programação informática) são formuladas da forma mais simplista possível. Qualquer coisa como: Está desempregado? Critério F9; Recebe subsídio? Critério F5; Frequenta formação? Critério F2. E, uma vez cruzadas as três variáveis que importam, eis que surge a listagem. Milhares de linhas com as colunas pretendidas: nome do desempregado e respectiva morada. Depois será só personalizar o cabeçalho e fazer copy/paste da lengalenga do costume. Duas breves linhas para a convocatória mencionando o dia e a hora e as restantes dezasseis para as ameaças: "A falta de comparência implica o incumprimento do dever de comparência (...)", previsto no decreto tal, alínea tal com data de tal e "a falta não justificada a esta convocatória (...) representa uma actuação injustificada, determinante da anulação da inscrição (...) e consequente cessação das prestações de desemprego" e por aí adiante conforme disposto nos artigos e nos termos legais. Eis que nos encontramos, pois, novamente para nos proporem acções de formação. Sucede, porém, que alguns já as haviam declinado e estão ali pela segunda vez sujeitos a mais do mesmo. Sucede, porém, que muitos até já as haviam feito e - pasme-se - através do próprio IEFP. Sucede, porém, que outros são ex-trabalhadores estudantes e que, por isso, ainda que sem trabalho, prosseguem os seus estudos. Outros há, ainda, que frequentam mestrados e doutoramentos. "Apresente a sua justificação, diz a senhora, e o director analisará. É que, sabe?, isso não aparece no sistema". Então mas não houve quem, por antecipação, estudasse os processos daquelas pessoas aparecidas nas listagens? Então, mas não se sabe qual é o nível de qualificação das pessoas ali sentadas? Então, admite-se que a pergunta de partida seja "todos aqui têm pelo menos o 11.º ano?" quando, no final, se conclui que estamos perante um leque de licenciados? Então, mas o desempregado que já fez o alemão pode ser chamado para o alemão outra vez? Assim? A culpa é, de facto, do sistema. Pois é! Mas não do sistema informático. Antes, deste sistema desumano e incompetente que trata os desempregados como números, como coisas, como estatísticas. Deste sistema que prossegue políticas às quais as pessoas nada importam! Nem as suas qualificações, nem experiências, nem investimentos, nem carreira, nem nada. Um sistema nada empático para o qual o desempregado não possui dimensão humana e representa um encargo e um problema que urge mascarar estatisticamente fazendo dele, à partida, tábua rasa. TEXTO PUBLICADO NO ESQUERDA.NET____________________________________
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