cigarrada

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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Pontos alaranjados a roçar o vermelho de tijolo tipicamente espanhol marcam a paisagem. Trata-se de dois grandes edifícios abobadados, baixos, a respeitar a escala da cidade, mas que dela irrompem e se destacam pela sua cor e grandeza. Quase lado a lado, preservando, porém, entre ambos, um espaço suficientemente amplo, para se transformar em largo. Os mercados de Olhão - à esquerda, aquele onde se vende o pescado, à direita aquele onde se vendem as hortaliças devidamente calibradas, pesadas, enceradas e respeitadoras de todas as normas fitossanitárias impostas por uma qualquer ASAE - são o centro que se impõe. Toda a disciplina que se experimenta lá dentro com tabuletas standartizadas, preços bem legíveis, sinaléctica, exposição linear dos artigos, contrasta com o que cá de fora se observa. O largo que se avista, bem como todo o espaço envolvente, quer o que desagua na estrada, quer o que desemboca na Ria, está pejado de gente. Há os que se espraiam nas esplanadas bebendo cedo gins com água tónica, há os que principiam a acordar com cafés matutinos, os que passeiam as crianças no carrinho, aqueles que lêem o jornal. Outros há que já comem gelados tal é o assédio. Cães que passeiam com os donos. Algures rapazes trajados e dispostos em curva que trauteiam a música da tuna académica. Não faltam também os que, vendo ali oportunidade, distribuem propaganda política. O homem estátua mantém-se inerte e estóico. O papagaio também está presente. O papagaio no ombro da conhecida senhora do papagaio. Muitos circulam com cestas, sacos de plástico e troles carregados de alfaces, batatas, cebolas. São visitantes e isso nota-se pela forma como falam, como se movem, como até estranham aquela amálgama tirando, inclusive, fotografias. Please, merci, gracias escutam-se amiúde. Espreitam as bancas improvisadas, tábuas de madeiras encaixadas em estacas preclitantes. Toldos feitos de panos esticados multicolores. Muitas sombrinhas, toalhas de plástico e caixas e todos aqueles produtos da Serra algarvia que desceu até às margens da Ria Formosa. Réstias de alhos, beldroegas, azeitonas em alguidares, grão de bico em meio alqueires, fava da boa, molhos de hortelã e chás variados. Ervilhas, pasta de pimentão caseira, laranja bom joão, coentros a quinze cêntimos, tudo se troca naquele espaço desordenado que é o "verdadeiro" mercado sabatino de Olhão. Um local fora das portas dos mercados convencionais. Um mercado paralelo. Ao ar livre. Algarvio. Do barrocal. Da Serra. Dos produtores locais. Da verdade da sazonalidade dos produtos. Ali jamais se encontrarão cenouras ou bananas ou ananazes. E ali os cheiros da Ria misturam-se com os da terra, também com os das farturas, também com os das flores do senhor estrangeiro, também com os dos gasóleo do barco que principia a partir. Misturam-se com o barulho das moedas (não há terminais de multibanco). Misturam-se com o chilrear das gaivotas, com os tilintares das chávenas, com o jazz do café de canto. Olhão é uma cidade alva e é assim que a vemos de longe com o casario quadriculado, cubista, baixo, deitado de frente para a água, virado para o horizonte. Na sua margem muitos barcos aportam. De pesca, de recreio, de mariscadores, pescadores, viveiristas ou, simplesmente, daqueles que vivem nas ilhas barreira: Culatra, Armona e Farol. Vemos sempre e sempre outras formas de comércio a surgir: os tendeiros e os ciganos com roupa de Verão, o homem que vende polvo assado, os que fazem cestos de vime, os restaurantes que oferecem açordas de marisco e sandes de cavala, os que alugam táxis aquáticos, os arrumadores de carros..... Olhão tem um centro periférico e conhecemo-la melhor à medida que dela conservamos uma certa distância.