cigarrada

cigarrada

terça-feira, 4 de novembro de 2014

O homem escondido no celeiro a quem a minha avó garantiu dormida numa cama de ferro e lona, sem colchão? E comida quente? De quem se escondia? Por que razão permanecia lá o dia todo? Quem era aquele senhor desprotegido e sozinho? Nunca soube e creio que se tratava de um clandestino. As romarias de Álvaro Cunhal? Dia em que havia pinhoada e multidões? Festa? Um poema meu publicado no Diário do Alentejo sobre a paz? O trabalho do Mandela, na primária, premiado com um LP dos "Trigo Limpo"? A mana do João Pavão a passar com a minha roupa já usada? O trabalho do meu pai com deficientes e o da minha mãe com doentes? Uma avó licenciada e outra, ambas subjugadas? O absurdo da morte como única esperança? As práticas afectivas contrárias à razão? Um bisavô correspondente do Diário de Notícias? Um avô primeiro presidente de autarquia no pós 25 de Abril que se demite por ser contra a reforma agrária? Senhoras que ajudavam lá em casa sem serem criadas ou empregadas e de quem recordo o nome próprio e o apelido? O ateísmo dos santinho na carteira? Como raio interiorizamos a consciência de classe?