cigarrada

cigarrada

terça-feira, 14 de abril de 2015

Umas calças de algodão, blusão de ganga, boné e um telemóvel topo de gama. Raízes pretas e carrapito loiro. A tez escura, marcada e mate. Unhas de verniz descascado do fairy limão. Seria útil descrever os sapatos que são sempre uma forma de ajudar a caracterizar pessoas, determinar estatutos e enquadrar classes sociais. Não alcanço isso nem as cáries nem cairia, aliás, nesse truque fácil e, já agora acrescente-se, as mesas revelam consumo de cerveja e cafés. Melhor me falam os cinzeiros que asseguram a fraqueza: o vício, essa renda.
Reparo que há mais brincos neles que nelas, argolas douradas.
São também de uma geração que não usa relógio, que tem filhos cedo, que vive com os avós e que, como tem a casa demasiado cheia, faz do café o espaço de socialização por excelência. Lugar onde, apesar do fumo e da televisão, ou por causa deles, se sentem e sentam distendidos.
Um lugar público que traz confidencialidade às conversas, que faz esquecer os graus de parentesco, que anula responsabilidades e onde é experimentado o sentimento de pertença a um grupo que não o familiar, que não o escolar que já se perdeu, que não o profissional pois que não chegou a existir.
Não são as vestes que nos identificam, na verdade, pois o fenómeno não escolhe classes ou fronteiras. Também não é a forma como se fala ou o que se diz.
É a relação que estas pessoas estabelecem com o tempo o que as coloca entre pares e as situa numa esfera íntima, já que simplesmente o desconsideram.